domingo, 11 de setembro de 2011





Filme: A MISSÃO


TÍTULO DO FILME: A MISSÃO (The Mission, ING 1986)

DIREÇÃO: Roland Joffé
ELENCO: Robert de Niro, Jeremy Irons, Lian Neeson, 121 min., Flashstar




A chegada dos jesuítas na tribo indígena, apesar de uma inicial resistência de alguns índios, fez com que os mesmos começassem a ser doutrinados, os índios passaram a adorar a cruz e assistir a missa, passaram a ser conduzida, pela moral da religião católica, religião essa que moldava os índios à cultura européia. 
Ao tirarem os índios de seu habitat natural e levá-los para a civilização européia, aqueles eram vestidos de acordo com a cultura própria da região. Quando, nos seus afazeres de escravos, os modos de agradecimento e a obediência incondicional aos seus donos, demonstra a idéia que estes homens tinham sobre os índios. Na cena em que a pequenina índia conta para o clero e o Estado diz que aquela criatura é um animal, e que um animal pode ser treinado para contar. O clímax desta visão etnocêntrica se faz presente nas cenas finais do filme, com a chacina da respectiva tribo por ela não ter se submetido às ordens do clero por pressão do Estado. O final do século XV e início do XVI é o período em que a Europa começa a se questionar sobre quem habita o outro lado do mundo. É a época das grandes navegações, das grandes "descobertas". As missões religiosas provenientes do Velho Mundo fazem parte deste contexto histórico e de uma visão européia ainda bastante etnocêntrica. A ordem missionária jesuíta, que é fundada em 1534 por Santo Inácio de Loyola e envia ao Brasil missionários em 1750, apresenta três características marcantes: a primazia da obediência, o sentido de organização e a espiritualidade como ação. Acho importante ressaltar aqui essas características para uma melhor compreensão do papel dos jesuítas na disputa econômica que estava em jogo, embora fundamentalmente sua função principal fosse a evangelização. Seu objetivo, sua MISSÃO era propagar a fé cristã, catequizando os índios; para tal, aprendiam suas línguas, criavam escolas e desenvolviam as artes, especialmente a música e o teatro. É interessante pensar no papel dos jesuítas na colonização brasileira, por exemplo. Eles construíram estradas, atuaram no ensino, nas artes, na medicina, na agricultura. Foram perseguidos e participaram diretamente dos conflitos, tanto com os colonos que queriam escravizar os índios quanto (na parte final do filme) com o poder político representado pela figura do Marquês de Pombal - primeiro-ministro do Rei D. José de Portugal -, que tomou medidas drásticas contra a Companhia de Jesus. Pombal conseguiu a expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias em 1759. Mais tarde, em 1773, fez com que a instituição religiosa fosse extinta pelo Papa Clemente XIV. O filme conta à história da disputa entre espanhóis e portugueses pelo território onde se localizam as missões jesuítas. Padre Gabriel está do lado dos índios, contra os mercenários, mas se opõe à força e à violência, opção de Dom Rodrigo. Diferentemente dos colonos que vêem os nativos como inferiores e os qualificam como não humanos, sem alma e portanto passíveis de escravização. E portanto se opõem radicalmente aos missionários, em seu objetivo de salvar almas e conquistar adeptos para a fé cristã. O título do filme aponta para duas acepções da palavra missão. Em primeiro lugar este conceito estaria estritamente relacionado à instituição missionária jesuíta, cujo objetivo era propagar a religião cristã (etnocentrismo religioso); em segundo lugar, à idéia de função, que aponta para a possibilidade de interferência dos padres missionários na realidade, particularmente na defesa dos índios. A missão é fruto de um olhar datado, de um olhar do século XX sobre o século XVI. É um olhar subjetivo sobre um momento específico do passado. O filme fala de um passado "aparentemente" muito longínquo onde os conflitos com o "outro" - o "estranho" e o "diferente" - são intensos. O índio era ingênuos, simplórios, primitivos, grande criança despreparada, reverberado de hábitos estranhos, rituais estranhos, costumes estranhos, “bizarrias” e esquisitices de todos os tipos, inclusive come/ devorar a carne de seus semelhantes depois de sacrificá-lo ou de matá-lo. Apesar disso, e talvez por causa disso, o índio era o bom selvagem. Porque dele não se esperava grande coisa, ele ficava na exterioridade da vida e dos valores do grupo estrangeiro, o olhar estrangeiro não lhe concedia atributos humanos, nem o privilégio da inteligência. A Missão tem muitos pontos interessantes a serem analisados como a música porque acredito que ela tem uma dimensão que pontua e ilumina o entendimento do filme, da própria história das missões . A música serve não só de fundo para o desenrolar da história como em diversos momentos se torna o centro da cena. Por um lado, ela aborda o contato que se estabelece entre jesuítas e indígenas; por outro, explicita o conflito entre brancos e indígenas. Ela é fundamental tanto para os jesuítas quanto para os índios. A música surge no filme como um elemento que não parece ser um fruto da cultura ou de culturas. Ela dá a impressão, ao contrário, de fazer parte da natureza. Parece exterior ao homem ao mesmo tempo em que é criação sua, quase um elemento de "universalidade" do homem, que possibilitaria uma união e um encontro para além de todas as diferenças e impossibilidades de comunicação. Como uma espécie de linguagem dos grupos humanos, compreendida de maneira universal por todos eles. A cena do encontro do padre Gabriel com os índios é marcada pela música. Ele toca flauta no meio dos nativos, que acham-no estranho e não conseguem entender sua língua. Como o jesuíta também não conhece a língua dos índios, há um estranhamento inicial mútuo. Mas a música rompe com isso e possibilita o encontro, o diálogo. A música não apenas os aproxima; na verdade, parece integrá-los a toda a humanidade. A criação musical, a fabricação dos instrumentos e o ensino da música aparecem diversas vezes ao longo da história. Na maioria delas são os jesuítas que ensinam os indígenas a tocar seus instrumentos e a cantar da "sua" maneira. A música é o ponto de aproximação, mas também de aprendizado da cultura. Aprendizado, para os índios, da cultura e dos valores dos brancos e jesuítas. Não aparecem padres tocando ou aprendendo melodias com os índios. O que se dá, o tempo todo, é exatamente o inverso. Uma das imagens finais de A Missão é um violino e um castiçal embaixo d’água, depois da dizimação da Missão de São Miguel pelos portugueses, que enfrentam a resistência e a permanência dos jesuítas. Os dois objetos são emblemáticos da missão jesuíta, a qual, além de catequizar os índios com o objetivo de expandir a fé católica, incute neles os valores da cultura européia. Um outro aspecto destacado e que é apresentado em A Missão é "a espécie de solidariedade cultural que logo se estabeleceu aqui entre o invasor e a raça subjugada" . Embora o pesquisador esteja se referindo a índios e bandeirantes, parece-me que o diretor do filme parte da mesma idéia para abordar a relação entre os índios e os missionários. O filme A Missão, mais do que fazer um relato histórico das missões e do relacionamento entre culturas diferentes, aponta para a possibilidade de discussão destas questões, que de maneira alguma ficaram resolvidas no passado. Ao contrário, continuam sendo problemáticas. O desafio que a Indústria Cultural precisa enfrentar é trazer para suas páginas e telas a riqueza dessa diversidade.